POESIAS
UM DIA TIVE DE VOLTAR PARA
abraçar o mar.
É aqui que me sinto
sempre mais alentejano:
as planícies de ondas, um
horizonte sem fim,
beijam a praia e morrem solitárias.
Lembra os chaparrais da minha terra,
que vivem e morrem na
solidão das marés de frio e calor.
Esta terra aqui tem um não sei quê
que me faz sentir seu filho,
mais alentejano e não tanto português,
a cada novo respirar de ver o mar,
o mar grande e rude,
como a rua Grande da minha Aldeia.
Talvez seja essa grandeza feliz
que me enche de verdade e riso: a rua Grande
da minha Aldeia não era grande, mas era
a grande rua de onde vim, a rua feliz, onde
sonhámos ver o mar para lá dos chaparrais
e do olhar dos velhos que teimavam
em ser gente
sonhando o mar que nunca viram.
(No livro Incensus, poema de Abertura)
abraçar o mar.
É aqui que me sinto
sempre mais alentejano:
as planícies de ondas, um
horizonte sem fim,
beijam a praia e morrem solitárias.
Lembra os chaparrais da minha terra,
que vivem e morrem na
solidão das marés de frio e calor.
Esta terra aqui tem um não sei quê
que me faz sentir seu filho,
mais alentejano e não tanto português,
a cada novo respirar de ver o mar,
o mar grande e rude,
como a rua Grande da minha Aldeia.
Talvez seja essa grandeza feliz
que me enche de verdade e riso: a rua Grande
da minha Aldeia não era grande, mas era
a grande rua de onde vim, a rua feliz, onde
sonhámos ver o mar para lá dos chaparrais
e do olhar dos velhos que teimavam
em ser gente
sonhando o mar que nunca viram.
(No livro Incensus, poema de Abertura)
VIVAMOS
Os mortos já viveram.
Nós
que por cá vamos vivendo,
por vezes, ainda não vivemos nada,
existimos apenas à sombra da
vida.
Morremos de pé
como as árvores do
Alentejo
Solitárias
Só tendo a lua e as estrelas
por confidentes.
Morremos devagar
como a vasta terra que tem
sede.
(No livro Incensus, pág. 35)
Os mortos já viveram.
Nós
que por cá vamos vivendo,
por vezes, ainda não vivemos nada,
existimos apenas à sombra da
vida.
Morremos de pé
como as árvores do
Alentejo
Solitárias
Só tendo a lua e as estrelas
por confidentes.
Morremos devagar
como a vasta terra que tem
sede.
(No livro Incensus, pág. 35)
VOLTARÁS
como as aves
que pulam de ramo em ramo
ao encontro
do abrigo e da chuva
que cai lá fora.
Vem e abriga-te.
No meu peito
dormem os rouxinóis
duma manhã que há-de vir
e fará voar
como sempre
nas asas da natureza
o cante que se aventura
a ser fogo e depois incenso
no fumo que nos enlaça
os sentidos do querer
e o cheiro novo da terra toda
abraçando o caos que foi chover
(No livro Incensus, pág. 48)
como as aves
que pulam de ramo em ramo
ao encontro
do abrigo e da chuva
que cai lá fora.
Vem e abriga-te.
No meu peito
dormem os rouxinóis
duma manhã que há-de vir
e fará voar
como sempre
nas asas da natureza
o cante que se aventura
a ser fogo e depois incenso
no fumo que nos enlaça
os sentidos do querer
e o cheiro novo da terra toda
abraçando o caos que foi chover
(No livro Incensus, pág. 48)
NÃO
Não fales
escuta...
Não penses
sente...
Não olhes
vê...
Não me beijes
abraça-me...
Vem comigo até um lugar sem data
e cobre-me de terra e húmus
onde adormecerei contigo
lado a lado
em lençóis rasgados a transparências
cobertos de arquétipos por lançar.
Na doçura dos teus olhos estrelados
na seda da tua pele
no gemer da tua voz
ao meu ímpeto
ergueremos o templo e baniremos as
palavras
as palavras são trevas e são
gastas
ponto final.
(No livro Incensus, pág. 86)
Não fales
escuta...
Não penses
sente...
Não olhes
vê...
Não me beijes
abraça-me...
Vem comigo até um lugar sem data
e cobre-me de terra e húmus
onde adormecerei contigo
lado a lado
em lençóis rasgados a transparências
cobertos de arquétipos por lançar.
Na doçura dos teus olhos estrelados
na seda da tua pele
no gemer da tua voz
ao meu ímpeto
ergueremos o templo e baniremos as
palavras
as palavras são trevas e são
gastas
ponto final.
(No livro Incensus, pág. 86)
ENQUANTO VIVER
cantarei
as muitas mulheres
do meu caminho
Quando (e onde) me perder
hei-de-me descobrir
na filosofia
e no azul
da natureza
e do sentir do
coração
Ao morrer
regressei ao ventre
de minha Mãe
terra.
(No livro Incensus, pág. 92)
cantarei
as muitas mulheres
do meu caminho
Quando (e onde) me perder
hei-de-me descobrir
na filosofia
e no azul
da natureza
e do sentir do
coração
Ao morrer
regressei ao ventre
de minha Mãe
terra.
(No livro Incensus, pág. 92)
GENTES DAQUI
Homens d’Aldeia, arrimados à labuta
Comendo o pão c’o Diabo amassou.
– Ah meu zagal dum fi lha da puta
És rijo como a Mãe que te criou!
Gente boa, embora haja gente bruta
Nasceram Homens mal o sol espigou.
Arrotear matos de forma hirsuta
Quem o faz hoje? O tempo já os matou!
E vão descalços, e ter fome é a riqueza
Deste povo e da sua seiva já esquecida
De quem tem mais amor que à própria vida!
Mestres do fado, aprendizes da dureza,
Filhos do chaparro e da mãe azinheira
Vergados ao horizonte duma planície inteira…
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 119)
Homens d’Aldeia, arrimados à labuta
Comendo o pão c’o Diabo amassou.
– Ah meu zagal dum fi lha da puta
És rijo como a Mãe que te criou!
Gente boa, embora haja gente bruta
Nasceram Homens mal o sol espigou.
Arrotear matos de forma hirsuta
Quem o faz hoje? O tempo já os matou!
E vão descalços, e ter fome é a riqueza
Deste povo e da sua seiva já esquecida
De quem tem mais amor que à própria vida!
Mestres do fado, aprendizes da dureza,
Filhos do chaparro e da mãe azinheira
Vergados ao horizonte duma planície inteira…
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 119)
VERSOS
Por minha mão palavras crescem
Ao brotarem da inspiração escassa
Formam os versos que florescem
Sem régua e esquadro que os faça.
São simples mendigos que padecem
Da ânsia de dar um ar de graça
Que ao sentir o pulso à vida esmorecem
Deitados no leito que os abraça.
Pouco valem, nem um punhado d’areia…
Em cada um só há martírio,
Nas curvas da estreita estrada…
Que percorro em noites de lua cheia
Uivando as estrofes da cor do roxo lírio
Que ando escrevendo, sem escrever nada!
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 120)
Por minha mão palavras crescem
Ao brotarem da inspiração escassa
Formam os versos que florescem
Sem régua e esquadro que os faça.
São simples mendigos que padecem
Da ânsia de dar um ar de graça
Que ao sentir o pulso à vida esmorecem
Deitados no leito que os abraça.
Pouco valem, nem um punhado d’areia…
Em cada um só há martírio,
Nas curvas da estreita estrada…
Que percorro em noites de lua cheia
Uivando as estrofes da cor do roxo lírio
Que ando escrevendo, sem escrever nada!
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 120)
ESPERANÇA
Claustros das clausuras, abençoados
Pelo pão e pela água maternais,
Lavem o rosto e perdoem os pecados
Às beatas e aos velhacos dos mortais.
Que clausuras? Só há forças triunfais,
Nas galerias estão os filtros perdoados,
Nós de ferro p’la Verdade desamarrados
P’los olhos do Sol sempre justos e leais.
E lá no centro, nas lágrimas do poço
O reflexo duma crença magistral
Esboçado nas fés dum frade moço
Que beija a cruz alta da temperança
Com a certeza de que a vontade real
É viver, é olhar, é ter a Esperança…
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 132)
Claustros das clausuras, abençoados
Pelo pão e pela água maternais,
Lavem o rosto e perdoem os pecados
Às beatas e aos velhacos dos mortais.
Que clausuras? Só há forças triunfais,
Nas galerias estão os filtros perdoados,
Nós de ferro p’la Verdade desamarrados
P’los olhos do Sol sempre justos e leais.
E lá no centro, nas lágrimas do poço
O reflexo duma crença magistral
Esboçado nas fés dum frade moço
Que beija a cruz alta da temperança
Com a certeza de que a vontade real
É viver, é olhar, é ter a Esperança…
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 132)
EXILADA
Os meus beijos mordem a pele perfumada
Branca e macia de mel e hortênsias
Tecida por milagrosa ilha em noite extasiada
Num ser feliz, às vezes, nas transparências
Dos teus olhos cristalinos, de crucificada
Sem saber o porquê de certas vivências,
Sem saber o porquê de seres a exilada?
Deste mundo cruel de tantas ciências.
Mas os meus beijos querem calar rumores,
Querem que nas tuas curvas nasçam flores
Em incessantes vagas de paixão louca…
Palavras ditas, gestos meus, o teu sorriso
O que valem? O que são? O que é preciso
P’ra prenderes teus lábios na minha boca?!
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 158)
Os meus beijos mordem a pele perfumada
Branca e macia de mel e hortênsias
Tecida por milagrosa ilha em noite extasiada
Num ser feliz, às vezes, nas transparências
Dos teus olhos cristalinos, de crucificada
Sem saber o porquê de certas vivências,
Sem saber o porquê de seres a exilada?
Deste mundo cruel de tantas ciências.
Mas os meus beijos querem calar rumores,
Querem que nas tuas curvas nasçam flores
Em incessantes vagas de paixão louca…
Palavras ditas, gestos meus, o teu sorriso
O que valem? O que são? O que é preciso
P’ra prenderes teus lábios na minha boca?!
(No livro Da cor dos meus Olhos, pág. 158)
O MEU GRILO CANTADOR
Quando o meu grilo morreu
A tristeza me ficou
Ele era só meu
Mesmo assim nada restou.
Fiz um barroco
Para o grilo enterrar
Sou pequeno tenho pouco
Foi o que se pôde arranjar.
Arranjei uma pedrinha
E nela umas palavras gravei
Debaixo dela a sua alminha
Está lá porque eu sei.
Com saudades dele fico
Porque era um grilo cantador
Por isso estas quadras lhe dedico
E eu lhe dei todo o meu valor.
(No livro Poemas de um Cacarrusso, pág. 64)
Quando o meu grilo morreu
A tristeza me ficou
Ele era só meu
Mesmo assim nada restou.
Fiz um barroco
Para o grilo enterrar
Sou pequeno tenho pouco
Foi o que se pôde arranjar.
Arranjei uma pedrinha
E nela umas palavras gravei
Debaixo dela a sua alminha
Está lá porque eu sei.
Com saudades dele fico
Porque era um grilo cantador
Por isso estas quadras lhe dedico
E eu lhe dei todo o meu valor.
(No livro Poemas de um Cacarrusso, pág. 64)
A CORTIÇA
A tantos traz a riqueza
E a tantos mete cobiça
É um grande bem da natureza
A que todos chamam cortiça.
A cortiça vem do sobreiro
Árvore de grande utilidade
Que dá a lucrar muito dinheiro
A toda a alta sociedade.
Houve muita gente que herdou
Este bem da natureza
Mas a mim ninguém me deixou
Um pouco desta riqueza.
Um dia não me poderão acusar
De ter dinheiro por ter cortiça
Porque acabei por não herdar
Este material que mete cobiça.
(No livro Poemas de um Cacarrusso, pág. 159)
A tantos traz a riqueza
E a tantos mete cobiça
É um grande bem da natureza
A que todos chamam cortiça.
A cortiça vem do sobreiro
Árvore de grande utilidade
Que dá a lucrar muito dinheiro
A toda a alta sociedade.
Houve muita gente que herdou
Este bem da natureza
Mas a mim ninguém me deixou
Um pouco desta riqueza.
Um dia não me poderão acusar
De ter dinheiro por ter cortiça
Porque acabei por não herdar
Este material que mete cobiça.
(No livro Poemas de um Cacarrusso, pág. 159)
O AMOR
Amor: tu és fado, és poesia,
Escrito com a voz do coração
Em que até a pedra mais fria
Se curva perante a tua imensidão.
O amor mais puro nesta vida
O mais lindo e que mais reluz
É o que me tem minha mãe querida
É como o amor de Cristo na Cruz.
O amor é o éden da vida
Que tudo move e encandeia
Não tem preço nem medida
É algo sagrado, mas que rareia.
(No livro Poemas de um Cacarrusso, pág. 179)
Amor: tu és fado, és poesia,
Escrito com a voz do coração
Em que até a pedra mais fria
Se curva perante a tua imensidão.
O amor mais puro nesta vida
O mais lindo e que mais reluz
É o que me tem minha mãe querida
É como o amor de Cristo na Cruz.
O amor é o éden da vida
Que tudo move e encandeia
Não tem preço nem medida
É algo sagrado, mas que rareia.
(No livro Poemas de um Cacarrusso, pág. 179)